segunda-feira, 2 de junho de 2008

A rua




É no ser da rua onde vemos o existir da vida. Quando não o vemos, sentimos. Sentimos sua vivacidade, sua ânsia por ser rua. E desejamos vontade de senti-la, tanto que constantemente fugimos do marasmo e vamos ao seu íntimo sedentos de vida... É na rua onde sentimos os ventos fugazes roçarem nossos pescoços... nos abraçarem ou nos acalentarem, ou nos arrepiarem! Porque o vento-da-rua não é só nosso. É do transeunte ao lado também, e ele influencia em toda sua essência, deixando o seu cheiro acompanhando o cheiro do daquele logo atrás, depois o nosso, que pode ser só um para o para ele, ou pode ser um mais forte, mais cítrico ou mais doce. Às vezes ele vem zombeteiro despenteando algumas madames, por ventura derrubando os chapéus aprumados dos cavalheiros que se recusam a pegá-los ao chão, onde as pessoas que buscam a vida na rua pisam.

É na rua que o trânsito flui. Ou pára. É nela onde podemos ver o ir e vir, o ir e ficar, o ir e... ir. Podemos ver também os resquícios de natureza em seu mais verdadeiro e real contato com o homem: podemos vê-la sucumbindo. Vemos seres sendo atropelados, e vemos árvores caindo... E por cima dela, como num passe de mágica, surgem insetinhos ou passarinhos com uma semente no bico. Tenho consciência de que eles querem fazer crescerem mais árvores. Frutíferas ou não... quem anda pela rua sabe a importância. Às vezes são frutíferas e poderiam matar a fome de quem tem, mas são derrubadas antes de florescerem para dar mais espaço para outro carro que em breve entrará no tráfego.

Às vezes eu tenho pena de quem passa de carro pela rua... Tão rápido que aquele passarinho vira somente um risco exânime visto pelo pára-brisa. Eu costumo andar devagar pela rua, espiando algumas sombras que compartilham a mesma vista comigo... só não mexo com as mais soturnas. Faço isso para o que há na esquina não me atingir tão fortemente. Mas temos que caminhar até ela, mesmo sem percebermos andamos para a esquina, estamos andando agora, e se tudo der certo, daqui a cinco minutos também estaremos indo.

E quando já é tarde, e espero o sinal mudar de cor para atravessar a rua, eu fico olhando para o ar, esperando sentir o cheiro do vento-da-rua que há além das paredes que cresceram aos meus encalços. Eu pareço apenas estar em mais um apartamento sólido da cidade. Sinto saudades imensas e as lágrimas molham minhas olheiras... Eu fico, então, lembrando cada detalhe marcante da rua que já me parece distante. Lembro também de coisas que para mim não representam nada, é o que desencadeia o saudosismo... Por um instante até consigo relembrar os passos da moça grávida que acalentava uma barriga latente de tudo que possa haver na rua.

É... eu sinto sede de rua porque a vida já me resseca a garganta. O que me resta é esperar a incerteza do amanhã. Se houver rua, rirei.


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